Levy já decidiu deixar Fazenda e governo adota incentivos ao crescimento Para ministro, é fundamental resgatar a credibilidade fiscal e reduzir dívida pública
Publicado em 17 de de 2015 às 08:00 PM
BRASÍLIA - O Brasil perdeu ontem, pela segunda vez em três meses, o selo de bom pagador concedido pelas agências de classificação de risco, o chamado grau de investimento. O corte da nota, anunciado desta vez pela Fitch, chegou em um momento de preparação de mudanças graduais na gestão da economia. Enfrentando a discussão do impeachment em meio à mais severa recessão em 25 anos, a presidente Dilma Rousseff decidiu pôr em prática ações de incentivo à retomada da atividade econômica e de preservação da base de apoio. Por exemplo, já reduziu o compromisso fiscal de 2016 (evitando corte de R$ 10 bilhões no Bolsa Família) e liberou recursos para empréstimos a empresas, estados e municípios. Essa política, porém, não será tocada pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Contrariado com o afrouxamento do ajuste fiscal que planejou e defendeu, Levy já decidiu deixar o cargo.
A preocupação com o quadro econômico e com a preservação de programas sociais foram fatores centrais na decisão de Dilma de propor ao Congresso a redução do superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) do próximo ano, de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0,5%. Levy foi frontalmente contra a medida e alertou que isso pioraria as expectativas do mercado e ainda poderia levar a um novo rebaixamento do país pelas agências de classificação de risco, o que de fato ocorreu ontem.
PRIORIDADE ‘É TIRAR ECONOMIA DO BURACO’
Porém, com a retração de 3,6% em 2015 e de 2,7% em 2016, segundo estimativas do mercado financeiro, a avaliação no governo é que agora é preciso “tirar a economia do buraco”. Isso não significa uma mudança para voltar ao receituário do primeiro mandato, que envolveu desonerações bilionárias e uma política frouxa que deteriorou as contas públicas, garantem interlocutores da presidente. E sim que não é possível pautar o plano de recuperação apenas por metas fiscais.
— O ajuste fiscal tem que continuar em 2016. É preciso reequilibrar as contas públicas e trabalhar para combater a inflação. Ao mesmo tempo, o nível de atividade precisa se estabilizar — explicou um interlocutor do Planalto.
O discurso de Levy, afirmam fontes do Palácio do Planalto, não agrada porque ele continua focado em ajuste e reformas e parece descolado da realidade que se impõe. Dilma precisa vencer a batalha do impeachment, e, para isso, tem que agradar a base no Congresso e sinalizar uma perspectiva de melhora na economia — o que contribuiria ainda para a recuperação futura do grau de investimento, defendem esses interlocutores.
— A população está preocupada é com o bolso, o desemprego, a crise — disse a fonte do Planalto.
Por isso, nos últimos meses, paulatinamente, o governo passou a adotar medidas voltadas a estancar a retração do PIB, como reabrir o prazo de adesão ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e liberar empréstimos para estados e municípios. Ontem, até o o Banco Central (BC) engrossou o esforço, ao mudar os compulsórios para estimular o financiamento de obras de infraestrutura.
Levy, porém, não concorda com o ajuste de rota. Para o ministro, o fundamental é resgatar a credibilidade fiscal e inverter a trajetória de alta do endividamento público. Por isso decidiu sair. A gota d’água teria sido o debate sobre a meta fiscal de 2016. Há duas semanas, durante uma reunião para discutir o assunto, o ministro se retirou da sala quando viu que Dilma havia dado o sinal verde para a redução do superávit primário.
Segundo um empresário que esteve esta semana com o ministro, Levy fez questão de deixar claro o seu descontentamento com o governo:
— Sem papas na língua, ele xingou todo mundo, principalmente a equipe do Planejamento, e disse que esse governo é uma bagunça que ele tem que consertar.
SAÍDA NÃO SERÁ IMEDIATA
Levy sabe que sua saída imediata — e a dos secretários que deverão acompanhá-lo, como o do Tesouro, Marcelo Saintive — fragilizaria ainda mais a presidente. Por isso, quer agir de forma discreta. Até que saia de fato, o ministro vai continuar trabalhando normalmente, defendendo o ajuste fiscal e negociando com o Congresso a aprovação de medidas importantes para o reequilíbrio das contas públicas, além do Orçamento de 2016.
Essa decisão tranquiliza temporariamente o Planalto, que classificou como “perfeita” a reação da Fazenda para comentar o novo rebaixamento do Brasil pela Fitch. Minutos depois de a agência anunciar que tinha retirado do país o grau de investimento, a pasta divulgou uma nota à imprensa, destacando que o governo tem feitos esforços para melhorar a trajetória da dívida pública. Na nota, Levy diz que é preciso sair em defesa do país.
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— A perda do grau de investimento é séria e precisamos agir, tomar as medidas de defesa dentro da receita que precisamos. O rebaixamento indica preocupação de que nem tudo que a gente precisa fazer tem conseguido fazer no passo necessário, até porque, vamos dizer assim, a atenção de alguns tem sido desviada por questões diversas que não têm necessariamente ligação com as medidas econômicas que temos que votar — disse Levy.
Interlocutores do Planalto afirmam que a presidente ainda não tem nomes para suceder Levy. O problema é que dificilmente o governo encontraria um nome com peso no mercado para substituir Levy:
— Dilma precisaria arrumar uma solução caseira — afirmou um executivo do setor privado.